Não tinha parado para observar aquelas criaturas miúdas.
Crianças, não eram.
Tinham a diminuta estatura, e também a pouca idade.
Seres agressivos, tinham as mãos calejadas pelo pouco ócio
Um linguajar absurdo,
Algumas palavras impronunciáveis.
Meu Deus!
Aonde criaram estes pequeninos seres hoje endiabrados?
Por que eles já sabem dos absurdos que falam?
Seus trejeitos e manejos passam longe da inocência.
Vida ingrata!
Acaso foram alimentados ao nascer?
Afinal, sentiram o amor no seio materno?
Não há amor naqueles olhares.
Existe uma malícia profunda no modo como olham e falam.
E os transeuntes também fazem pouco caso do fato.
Seguram suas bolsas com passo apressado ou despejam-lhes nas mãos algumas moedas.
Criaturas pequenas e sem casa.
Como conhecer o amor se foram concebidos ao acaso?
E que culpa possuem de serem marginalizados?
Quem ao certo, teria escrito destino tão cruel e fadado ao fracasso?
Talvez nem o amor corrija esse pecado.
Choque profundo, seriam perfurados com dor
Como as lâminas cortantes que carregam.
Que seriam essas criaturas, de olhos ardentes?
Onde foi parar a inocência de quem chora por um brinquedo?
Pequenos seres, inclassificáveis.
Produto de que, ninguém sabe.
Tortuosos caminhos são os que percorrem.
Ruas e avenidas sem destino.
Deveriam ser pequenas crianças sorrindo em seus lares.
Mas, meu Deus, são pequenos marginais disfarçados.
9 comentários:
Estarei, vezenquando, passando por aqui pra te encontrar nestas tuas linhas. Aqui, sempre que acontecer, deixarei alguns versos (se me permitir)... Quanto ao link, estou preparando um site... www.virgulaeu.net, mas esse está sem servidor no momento. É um site em construção que, por hora, é de fato uma casinha muito engraçada: sem teto, sem parede, sem versos e sem nada.
Tuas linhas me alegram. Inspiram-me...
Inté, Amélie
Caio
Então espero que a sua casa engraçada se torne mais sólida rapidamente... rsrs Enquanto isso, fique à vontade para me deixar seus versos. A Amélie adora receber os amigos para um bom papo, que permitam sempre uma nova idéia, um novo texto, uma gota de esperança...
Até breve!
Ora, Amélie, acabo de te ver passar. Minha casinha ficará pronta em breve. Por hora... Estou em busca de um poeminho que me escapou...
POEMINHO DO SÓ
Poeminho, onde estás?
Aqui sob essa grama?
Quem sabe enfim no meu lugar?
Não me deixes, então... Tão carecido de ti,
Meu infante poeminho, que até a minguante lua
Urina dor em meu caminho
Mas aí ouvir dizer que foste
Então um passarinho, causou-me inda remorso
Meu pequeno, meu estranho poeminho
Chamado como faz o só,
Rompendo, em última instância, o falso
Senhorio, deixou-me antes o poeta,
O poeta em teu caminho...
Tenha uma boa noite, amiga...
Caio
É, e quem é que não procura um poeminho, pequeno que seja, pra melhorar o caminho?
A propósito Caio, como achou a minha modesta casa? rsrs
Aguardo ansiosa as próximas linhas.
Hummm... Vejamos... Acho que foi assim. Por causa de uma nau. Estava lá eu próximo ao jardim de um amigo, isso mesmo, sabe desses amigos que todo homem precisa ter? Pois bem, um irmão-na-vida!
Lembro-me que tinha passado por lá para lhe deixar uma fineza. Não, espere... Não foi assim. Na verdade ele é que passou no meu jardim primeiro, e foi ele quem me deixou a dita fineza. Eu tinha ido ao canteiro dele apenas para lhe retribuir a fineza que outrora ele me deixara. Foi aí que te vi. Lá estava você, Amélie, como todos, ocupando o seu devido quadrado, e como fazia tempo que eu não via ninguém gritando daquele jeito, resolve esticar um pouco o pescoço. Foi quando eu descobri que só aí eu tinha lhe visto: eu cheguei aqui, na sua florida casa.
Daí por diante é história.
Bem, agora que já temos esclarecido o acaso desse nosso alegre encontro, vou lhe contar outra história. Lembrei-me dela quando li o seu "miserável inocência". E assim:
MICROCONTO
Marcos Vinicius pensava fortemente. Marcos Vinicius era de personalidade forte, homem breve, agudo em suas tomadas. E Marcos Vinicius era um homem morto, corpo estendido num beco de uma ruela qualquer de alguma favela carioca. Mas vestido ali de sua palidez de defunto – entre formigas, aplausos e a sede do povo – sabia-se: Marcos Vinicius, filho de Sérgio e Isabel, era o dono do morro...
Inté mais vê, cumade Amélie..
Olá, Amélie, hoje estou passando mais cedo em sua casa. E como sei que não estás por aí, não irei bater na porta, deixarei apenas um meu poeminho. E como hoje resolvi lembrar amores, deixarei aqui um poeminho cheio de afeto. É desses raros acontecimentos que se chegam no mais fundo (a pele) e ficam. Estava em São Paulo quando ele me veio. Sussurrou-me baixinho que precisava existir. Que poderia eu fazer, Amélie? Cortei-me uma das infinitas veias. O poeminho se derramou no mundo!
CANTO A MULHER AMADA
Estaríamos onde é nosso lugar
Astros fluidos no transtornado céu
Que a manhã de nós seria outra
Infinitamente no olhar
Não, o silêncio não nos tocaria
Senão num breve fitar de olhos
Porque fomos feitos de cumplicidade
Somos terra e flor: tu és a flor que
Rompe o chão do meu peito
E se eleva ao mundo
Sem tu eu não teria sentido
Senão o de comer os grãos de morte
Desse lugar de gente e bicho e coisa
Quero-te sempre, amor
E não existe crise que me possa tirar de ti
Sempre terás braços e olhares meus
De lua, sempre terás deste homem o riso claro do leite
E terás do meu peito orvalhado minh’óstia última de força
E terás do sal noturno do meu corpo o pouso exato do sol da manhã!
Mas hoje o dia correu, amor, até que fosse então muito tarde
E vivo cada gesto que me veio teu neste frio que me morde os ossos
Terias ficado em mim e vestido meu nome e meu mundo
Mas ficou-me apenas o som das imagens de Alain Resnais
Transpassando cada pétala minha de realidade
Fostes embora! E agora que te tenho em tudo sou menos eu
E menos mundo! Canto inda este meu canto mudo de homem
Porque sou teu fantasma e assombro o riso teu no meu rosto
Sou teus escombros! ... Amante amada, tu és a cor do meu nada!
Se não te tenho perto sou como os famintos de Serra Leoa e os mortos
De Adis Abeba. Sou eu – poeta! – uma semente de guerra, eu-versos....
O punhal do câncer mais profundo!
Durma bem, Amélie...
Aaaah, agora eu vou me viciar em vir ao meu blog para ler teus versos... rsrs
Hoje a Amélie estava quase inspirada para mais algumas linhas, mas eis que o STF resolve dizer que o diploma de Jornalista não vale mais nada, e ela descobre que todo mundo pode apresentar, editar, publicar e dizer o que quiser e se auto-intitular jornalista. Marcarei com uns amigos para fazermos uma queima coletiva de diplomas e faremos novas faculdades.
Mas vamos mudar de assunto porque a conversa dá muito pano para manga e a Amélie já se chateou por demais hoje...
Por acaso a nau que você vem se chama Os Barcos? E sabes também aonde fica o meu jardim? Então passa por lá, e deixa uma flor. Prometo cuidá-la com esmero, mesmo em dias tempestivos e de calor excessivo. Vou reler seu "Canto a Mulher Amada", para absorver um pouco desse amor rasgado que talvez me adormeça e deixe meu coração em paz.
Agora já é bem tarde da noite... e passei aqui. Não fique chateada, acredito que você faz seu jornalismo com sangue e amor. Quem supera isso?
Fique bem, amiga...
Amélie... Hoje estou meio sei lá... Bem, espero que tudo esteja certo aí com você. Hoje venho para lhe contar uma história. É uma dessas histórias que se encontra por aí. Um conto chamado de rio.
O RIO
Minerva, um doce nome para uma mulher. E sabia Marivaldo que sua vida não mais seria a mesma. Ele que naquele dia saíra de casa carregado de todas as aflições possíveis, soube, naquela hora, no segundo exato da ocorrência, que sua vida estava para mudar num breve espasmo de alegria. Porque ela, Minerva, herdara da vida o olhar de sua já falecida mãe, mãe amada que a morte lhe soube tirar cedo demais – Marivaldo, que nunca na vida conhecera o pai, perdera a mãe, quando ainda criança, por motivos até ali desconhecidos, vindo então a ser criado por sua tia, no estado do Paraná, sob rígida educação católica. De Minerva pouco se sabe, a não ser que ela era mulher de personalidade forte que aparentava seus trinta e poucos anos, um tipo que vivia para o trabalho, e que era solteira por condição.
Mas lá estavam, Marivaldo e Minerva, frente a frente, como os dois estranhos que de fato eram ao se mirarem em inversa busca íntima, procurando um no outro qualquer coisa de verdade que lhes pudesse acusar. Mas era pouco para eles, e Minerva era como um trovão, feita de danos e inúteis papeis, simulando sob sua fragilidade mulheril o aspecto áspero de sua função; já Marivaldo era homem entre os homens, feito de afetos e valores sujeitados do pretérito imperfeito de sua saudosa e velha infância, para ser quem era e causar choque.
Enfim, de tudo, surge a primeira palavra, a palavra primeira de um tenso diálogo que Marivaldo travava consigo desde o primeiro fitar de olhos de Minerva, e que só então se fez perceber.
– Ora...
Por conseguinte, a partir dessa palavra, deu-se todo seu pensar, na irreversível forma do diálogo.
– Ora, será que devo?...
–... É inevitável agora que estou aqui... Mas me sinto tão tolo e assustado...
– Não deveria ter vindo! Raciocinava Marivaldo, entre rodeios, quase que desistindo daquele embate, num estado de profunda hesitação. Minerva, por sua vez, do outro lado – lado de fora –, permanecia a fitá-lo em silêncio, esperando dele algum tipo de espontaneidade – presumo eu, ainda que pouco saiba de seus pensamentos.
Assim seguia cada segundo, e todos somaram a eternidade que jazia sob a sombra íntima do duvidoso “eu” de Marivaldo. Todos os seus pensamentos transbordavam, e ele os multiplicava, e tudo vinha à tona, e tudo era amargo e mordaz, como tudo de vida que mais vivera – sim, porque Marivaldo era homem dos mais sofridos, e por isso estava ali, frente a Minerva, por isso estava ali a fim de confessar-lhe sua mais profunda dor.
– Essa mulher, Minerva, ela pode me ajudar. Ela tem um olhar que lembra o da minha mãe, mas ela não é minha mãe...
– Quantas noites não dormidas pensando nela...
– Eu não consigo mais, não posso mais!
– Como pude então?!
– Se eu não tivesse saído mais cedo... Eu não a encontraria... Eu não...
Transbordava Marivaldo, e seus pensamentos, como um vulcão prestes a explodir em furiosa erupção, misturavam-se numa só massa de desejo, medo e ódio; um ódio de si mesmo que Marivaldo por vezes tentou deter, mas que a muito o possuíra por completo
–Senhor...
– Senhor?
Ecoava, no último estado de sua consciência, como uma reza, a voz de Minerva que se revelara pela primeira vez, transpassando-lhe o pensar. Firme e grave voz de mulher que tomou a si sua atenção.
–Senhor! Espero que haja uma boa razão!
Repetiu Minerva, num tom que beirava o exaspero.
– hein!..
– Sim!
Respondeu Marivaldo, saindo de seu íntimo estado de dispersão para encontrar-se naquela fria sala, defronte a Minerva, e soltar seu desabafo: – sim, há um bom motivo. Eu sou o assassino de
minha esposa!
Assim Marivaldo, assassino confesso, tirou de seu ombro o peso do desamor, enquanto Minerva S. Dias, delegada do décimo segundo batalhão da policia militar do Estado de São Paulo, fitou-o com espanto, num dia dezesseis do verão de 1995...
Tenha uma boa noite, amiga Amélie
Caio
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