quinta-feira, 3 de março de 2011

Depois daquela fotografia

Nina a menina,
Acolhe-a em teu abraço
Que é o teu colo, que a faz pequenina.
Tão mulher e ferina,
Tão senhora dos seus passos,
É só pequena menina,
Envolta em seus braços.

Naquela fotografia,
Nem selvagem, nem vadia,
Todas eram ela.
Mulher, peregrina,
Noutras vezes menina, a cantar uma canção só pra ela.

Nunca estava nua.
A pele despida escondia ainda,
Segredos proibidos em seus densos olhos.
Nina, a menina, nina.
Tira os teus sapatos, embala-a em seus braços,
Aquece teu corpo.

Leva teu cheiro,
Ensopa a camisa -
Que é seu consolo nos dias frios,
Onde ela é só fotografia.

domingo, 16 de janeiro de 2011

Desses dias


Tem sido assim, um segmento de dias. Um acordar sem surpresas, chuva ou sol guiam os passos no acordar das manhãs. Caminho sobre folhas secas, andam comigo algumas lembranças. Teu rosto não. Teu reflexo dorme comigo, enquanto luto com dragões, salto precipícios, passeio em vôos noturnos. Abro os olhos antes do alarme para silenciar a rotina, o coração acelerado, o despertar forçado. O primeiro respirar do dia. Não me recordo os sonhos. Me vêm algumas imagens, recortes sem sentido. Me lembro de você, sorrindo pra mim, eu lhe dizendo absurdos - acho que às vezes você tem medo da minha falta de sanidade - sorrio. Saio de casa. Carrego alguns pedaços de fatos que me doem, sempre dói alguma coisa, todo os dias. No caminho, todos são você. Algumas recordações da noite anterior me trazem mais sorrisos. Horas que seguem, o tempo não perdoa atrasos. Um turbilhão de acontecimentos me distrai temporariamente. Os dias passam e passam. Entre uma tristeza passageira, um resfolegar de cansaço, um compromisso inadiável, uma presença. Sinto seu cheiro ou a sensação de estar em seus braços algumas vezes. A recordação me toma, e a consciência me pede cuidado. É que o amor tem dessas coisas, uma confusão que caminha para a distração, um mundo paralelo, muito mais gostoso. Às vezes, tem sabor de fruta fresca que molha a boca. Noutras, é teu gosto. Sabor de boca, misturado com doses de desejo que estão em seus olhos, seus braços, na ponta dos dedos. Um pedaço de cuidado. O resto é pecado, menor pronunciado, impregnado de carinho. Perdi a razão para algumas coisas. Não me acostumei com o silêncio. Gosto das respostas que passam longe do subentendido. Gosto assim, escancarado, meus segredos são seus. Em dias de espaços vagos, se chama saudade, o amor na ausência.

domingo, 21 de novembro de 2010

No que virá

Fosse assim, ainda fácil prever o futuro
Odiava ser contrariado.
Mas a vida o contrariava, que havia de se fazer?
Sentia-se quase um deus, senhor dos seus passos
Mas nada mais era do que um pequeno inseto,
Refém dos acontecimentos,
Como água da chuva que dissolve um formigueiro.

Ah, fora surpreendido.
Saiu dos diálogos inconclusivos e divagações absurdas
Teorias vãs - pagava o preço da curta vivência.
E esses encontros...
Veja que hoje é mistério da sábia coruja -
Surpreende na madrugada, anunciando a hora da partida.

E agora havia um sussurrar de declarações num canto qualquer da sala,
Um adeus forçado,
Um egoísmo em repartir.
Diálogos inacabados,
Retalhos do vestido
Rendido, rendado,
Arrendastes o coração por inteiro.

No que virá,
É o que ainda não estava.
É um tal de perceber a chama,
Repor as velas,
Escrever na pele em brasa novos poemas.
Tremer de desejo,
Ensopar de agonia,
Rasgar rascunhos desentendidos,
Desistir de antídoto pra tudo isso.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

A louca

Gosto que penses que sou tua
E que me beijes a boca -
A louca.

Gosto do clarão da lua
Minha mão na tua e a sensação de pertença -
Descrença.

Gosto das quatro paredes,
Da brisa balançando a rede
De pôr meu batom vermelho, flor no cabelo, olhos de sol -
Girassol.

Gosto das minhas dúvidas,
Talvez mais das tuas
Sombrias e cruas
Entre meus gestos e jeito de não sei o quê.

Gosto do pecado, mal passado, mal tragado, invocado
Adrenalina, serotonina, ocitocina
Meu mundo que não está no seu.

Gosto do frio lá fora
Que vai embora, enquanto me deixo ser
A louca, que tu beijas a boca,
Sem merecer.

Gosto de não ser, assim, como parece ser.
Dos passos descalços na chuva,
Da mão que esconde a luva,
Da lágrima a perecer.

Gosto da aventura,
Absurdo,
Papel de parede,
Cores de cinema,
Poema.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Amargo

Traga-me um gole de vinho.
Melhor – beberei a garrafa inteira.
Quero mergulhar em um estado lépido
Capaz de aniquilar a angústia que me rasga o peito.
Vários papéis foram para o lixo.
Não poderia transparecer minha fraqueza em palavras.
De repente, seu silêncio me transportava ao desconhecido,
Onde não sabia quem eu era e nem o que eu queria.
Não, não queria falar ou pensar.
A minha tristeza nem mais chorava ou cantava,
Nem sei se sentia.
Só ouvia o ruído do ranger de dentes,
E o riso dos casais que passavam.
Sentia na boca um gosto amargo -
Odiava a sua ausência e o não saber das coisas.
É que tudo tinha um quê de desconhecido ou não aparente...
Gostava dos detalhes.
Fora alimentado com amor a cada dia,
Com pequenas doses de carinho e compaixão.
Restara a lembrança.
Do bilhete ao lado da cama ao acordar,
Do modo como lhe tocava a face,
Do cheiro do sabonete de um banho recém-tomado,
Dos cabelos ainda molhados, que vinham lhe acariciar o peito.
Detalhes do passado.
Agora olho o andar dos ponteiros do relógio e bebo.
Não, não funciona.
Mais um papel rasgado.
Sorrio, sinto o efeito do vinho.
O vento sopra-me os cabelos.
Algumas coisas não fazem mais sentido.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Descompassado

Eu quero viver,viver assim desesperadamente,
Sentir na boca o amargo da decepção,
O pulsar das veias,
O gosto da tua boca que me toma -
me faltam alguns sentidos.
Quero o correr do tempo nessa tal adrenalina que não pedi,
e andar, cantar e sofrer e doer, tudo ao mesmo tempo.

Quero o avesso.
Contrariar e cortar ao meio,
Mergulhar fundo,
Apesar de,
Apesar se,
Ou se assim fosse,
Queria que fosse,
Não é o meu jeito,
Foi assim, quero assim, assim eu gosto.

Correr.
Sinto uma apatia diante dos ponteiros do relógio -
Que se movem,
Agressivos,
Separando e unindo os corpos ao ritmo do tic tac.

Regressei.
Adeus de novo.
Num vai e vem de estação,
Meu corpo apenas se movia...
E eu ainda preferia olhar-te sob o sol quente que me ardia as costas.
E toda aquela terra vermelha,
E o céu do sertão onde nasci...

E no meio de miudezas e sutilezas,
No resfolegar de alguns minutos,
Ainda pude ver o mar.
Tivemos tempo ainda para uma última música.

Sinto que não durmo.
A madrugada indolente sucumbiu rápido.
Mas ora, veja essa: Ainda há tempo!
Nesses passos sem compasso,
Veja que o dia tem pressa,
Se acaba, logo cessa,
Mais uma vez a noite, para iluminar tudo.

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Dos poucos saberes

Do amor nada sei,
...sou sabido
fruto de deliciosas brincadeiras de pé de ouvido
e de perigosas tentações e intrigas.
De algo poderoso e oculto
que anseia por um rio de águas ardentes
um rio que conclama a um mergulho afoito
até que então um mar se esvai.
Sou sabido dessas coisas
das conversas tortas e vivas e um vinho tinto
que descansa numa taça já perdida
e um cigarro de depois...
Nada sei do porvir,
Da carta começada que não chegou ao fim,
Do desejo de partida que não se consumiu.
Sei dos meus vagarosos passos,
Que hesitam, ao compasso dos desafios.
Sou parte do que se uniu,
Inteiro ausente,
Metade de nenhum dos dois.
Quem sabe um nó pendente,
Pronto, somente, para desatar.
Mergulho em rio de águas claras,
Ao passo em que me julgas perdido.
Já sou bem nascido,
Chorei em teus braços,
Dormi num abraço,
Sigo hoje os passos
Do desconhecido.
Deixei minha carta,
Para falar-te do amor consentido.
Sabido, eu sou liberdade,
Sou todo saudade,
Parto, mas deixo meu beijo contigo.


(Indhira Almeida/ Edgard Neto)